A reforma agrária é um conjunto de políticas e medidas adotadas pelo Estado com o objetivo de redistribuir a terra, visando promover maior equidade na sua posse e utilização. No Brasil, o foco central da reforma agrária é a desapropriação de grandes latifúndios improdutivos para a redistribuição de terras a pequenos agricultores ou trabalhadores rurais sem terra.
Contexto Histórico
A reforma agrária no Brasil tem raízes históricas profundas, ligadas à distribuição desigual de terras desde o período colonial. O tema é central nos debates sobre justiça social e desenvolvimento rural, e a luta pela redistribuição de terras atravessou diversos momentos da história do país, com avanços e recuos ao longo dos séculos.
Período Colonial e Imperial (1500-1889)
- Sesmarias (1530-1822): No período colonial, a Coroa Portuguesa distribuiu grandes extensões de terras chamadas sesmarias a nobres e colonos leais, sem considerar a presença indígena ou as necessidades dos pequenos agricultores. Esse modelo concentrou as terras em poucas mãos, criando uma estrutura latifundiária que se manteria por séculos.
- Latifúndios: O sistema de latifúndios, onde grandes extensões de terras eram de propriedade de poucos, foi reforçado com a expansão das plantações de cana-de-açúcar e, posteriormente, café. Isso excluía a maioria da população rural do acesso à terra.
Primeira República (1889-1930)
Durante a Primeira República, a concentração de terras continuou. A política fundiária favorecia os grandes proprietários rurais, conhecidos como coronéis, que tinham grande influência política local (coronelismo). Não havia políticas significativas de redistribuição de terras, e a questão agrária não era prioridade.
Era Vargas (1930-1945)
Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas trouxe mudanças no cenário político e social, mas não avançou de maneira decisiva na reforma agrária. No entanto, o governo Vargas promoveu a modernização da agricultura e incentivou o surgimento de sindicatos rurais, que futuramente teriam papel importante nas demandas por terra.
Período Pós-Segunda Guerra Mundial (1945-1964)
- Durante os anos 1950 e início dos anos 1960, o tema da reforma agrária começou a ganhar força no Brasil, impulsionado por movimentos sociais, sindicatos rurais e intelectuais.
- O presidente João Goulart (1961-1964) defendia abertamente a necessidade de uma reforma agrária como parte de suas Reformas de Base, um conjunto de propostas que visavam modernizar o país e reduzir as desigualdades. Ele propôs a desapropriação de terras que ficassem próximas de rodovias e ferrovias e que não fossem produtivas.
- Lei de Reforma Agrária (Estatuto da Terra, 1964): A proposta de Goulart encontrou forte oposição das elites agrárias e foi um dos fatores que precipitaram o golpe militar de 1964. Mesmo assim, em dezembro daquele ano, o governo militar aprovou o Estatuto da Terra, que criou a base legal para a reforma agrária, mas sem implementar mudanças significativas.
Ditadura Militar (1964-1985)
- Durante o regime militar, apesar da criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1970, a reforma agrária não avançou de maneira significativa. Os militares priorizavam o crescimento econômico e a modernização do agronegócio, favorecendo a concentração de terras. O modelo de “colonização dirigida”, como a ocupação da Amazônia, incentivava a migração para áreas pouco povoadas em vez de redistribuir terras nos centros já produtivos.
- Frente Nacional de Libertação dos Trabalhadores Rurais (1979): A luta pela terra durante o período militar foi marcada por resistências e, às vezes, repressão violenta. Movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começaram a se organizar nesse período, lutando pela redistribuição das terras e contra a violência no campo.
Desafios e Avanços Atuais
- A concentração de terras permanece um problema significativo no Brasil, com uma das maiores desigualdades fundiárias do mundo.
- O agronegócio continua sendo uma força política e econômica importante, frequentemente em oposição aos movimentos pela reforma agrária.
- Movimentos sociais, como o MST, continuam pressionando por uma reforma agrária mais ampla e justa, com a criação de assentamentos produtivos e a democratização do acesso à terra.
Objetivos da Reforma Agrária
- Redução das desigualdades: Diminuir a concentração de terras nas mãos de poucos e promover a inclusão de trabalhadores rurais no sistema produtivo.
- Incentivo à produção agrícola: Destinar terras improdutivas a pequenos produtores que podem transformá-las em áreas produtivas, contribuindo para a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico local.
- Fixação da população rural: Com terras próprias, muitas famílias podem permanecer no campo, reduzindo o êxodo rural.
- Promoção da justiça social: Proporcionar uma redistribuição mais justa de terras, beneficiando os trabalhadores mais necessitados.
Desafios
Apesar de ser um tema central em debates sobre a desigualdade no Brasil, a reforma agrária enfrenta diversos desafios:
- Conflitos fundiários: Disputas por terras entre grandes proprietários e movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
- Falta de infraestrutura e apoio técnico: Muitas vezes, os assentados não têm acesso a crédito, tecnologia e infraestrutura para tornar as terras produtivas.
- Lentidão nos processos de desapropriação: A burocracia e a resistência política de setores ligados ao agronegócio tornam o processo lento.
Reforma Agrária no Mundo
A reforma agrária também foi implementada em diversas partes do mundo, com variações significativas conforme o contexto histórico, político e econômico de cada país. O objetivo comum dessas reformas, independentemente do local, é redistribuir terras de maneira mais justa e eficiente, mas os resultados e as abordagens variaram bastante.
México (Revolução Mexicana)
Após a Revolução Mexicana (1910-1920), o governo mexicano promoveu uma grande reforma agrária, principalmente durante o governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940). A redistribuição das terras visava quebrar os grandes latifúndios controlados por poucas famílias e entregar as terras aos ejidos, comunidades de pequenos agricultores. Essa reforma ajudou a promover certa estabilidade no campo, mas a longo prazo enfrentou desafios de infraestrutura e produtividade.
União Soviética (Revolução Russa)
Com a Revolução Russa de 1917, o governo bolchevique expropriou terras dos aristocratas e as distribuiu entre os camponeses. Posteriormente, sob Stalin, houve uma coletivização forçada, onde as terras foram integradas a grandes fazendas coletivas chamadas de kolkhozes e sovkhozes. Embora tenha modernizado a produção agrícola, a coletivização levou a crises de fome, como a de 1932-1933.
China (Revolução Comunista)
Após a Revolução Chinesa em 1949, o governo de Mao Tsé-Tung implementou uma reforma agrária massiva, confiscando terras dos latifundiários e redistribuindo-as para os camponeses. Essa reforma foi acompanhada de violência contra os antigos proprietários, resultando em muitas mortes. Mais tarde, durante o “Grande Salto Adiante” (1958), as terras foram novamente coletivizadas, o que resultou em uma das maiores crises de fome da história.
Japão (Pós-Segunda Guerra Mundial)
A reforma agrária japonesa pós-Segunda Guerra Mundial, implementada sob a supervisão das forças de ocupação dos Estados Unidos, foi uma das mais bem-sucedidas. Terras foram compradas de grandes proprietários e redistribuídas para os camponeses. Isso aumentou a produtividade e ajudou a estabilizar o campo, criando uma classe média agrícola forte.